Personagens do Mercado: Daniel Dantas, de gênio do MIT a inteligência perdida

04/08/2012 23:48

 

Por: Valter Outeiro da Silveira
15/04/10 - 19h45
InfoMoney

 

SÃO PAULO – “O primeiro dever da inteligência é desconfiar dela mesma”. A afirmação é de Albert Einstein, e serve como ponto de partida para uma pequena reflexão: um indivíduo genial pode ser muito mais prejudicial do que infinitos acéfalos? Inteligência desperdiçada é culpa do sistema ou da própria ganância humana?

Devaneios a parte (e reflexões permitidas), Personagens do Mercado destrincha a história de Daniel Valente Dantas, banqueiro que despontou nos anos 1980 como um dos principais expoentes econômicos na academia brasileira, para depois fazer fortuna na década conseguinte e reter os holofotes policiais nos últimos anos.

Desde a infância, o baiano frequenta o cenário político. Seu pai, Raimundo Dantas, era amigo de infância do ex-senador Antonio Carlos Magalhães, que mantinha relações estreitas com Emílio Garrastazu Médici, ex-presidente da república no regime militar.

Igualmente cedo, Dantas iniciou sua vida empreendedora. Aos 17 anos, abriu uma fábrica de sacolas de papel, vendendo-a dois anos depois para montar um negócio de distribuição de cerveja. Teve posto de gasolina, trabalhou na indústria têxtil – herança de seu pai – e em uma empresa de turismo.

Forma-se em engenharia civil pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e, logo após, vai de Salvador ao Rio de Janeiro, onde faz mestrado e doutorado na FGV (Fundação Getulio Vargas) em apenas dois anos, conseguindo o título em 1982. Da cidade maravilhosa, parte para Boston, onde se torna PhD no conceituado MIT (Massachusetts Institute of Technology), passando a professor da casa enquanto cursava o pós-doutorado.

Na instituição carioca, o engenheiro civil se torna discípulo de Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda na ditadura militar por cinco anos e expoente da economia brasileira. As aulas de Simonsen eram marcadas pela baixa frequência, já que poucos conseguiam acompanhar seu ritmo de raciocínio. Um dos raros era Dantas, que ostentava fama de gênio na FGV.

Da academia para a riqueza
Em meio à vida acadêmica brilhante, Dantas inicia sua escalada no setor bancário. Entra no Bradesco em 1982 e, três anos depois, se torna vice-presidente da unidade de investimentos. No ano posterior, une-se aos irmãos Kati e Luis Antonio, filhos de Antonio Carlos Almeida Braga – conhecido como “Braguinha” e um dos principais investidores brasileiros na década de 1980 – para gerenciar o Banco Icatu.

Por lá, se destaca pelos resultados extraordinários de seus investimentos. Como exemplo, o baiano conseguiu que um dos fundos relatasse valorização de 156% durante 1993, a maior alta em todo o mundo naquele ano. Para efeitos de comparação, um dos fundos de George Soros apresentou ganhos de 92% no mesmo período, sendo o quarto melhor desempenho na escala liderada por Dantas.

Investimentos em commodities, como café, laranja e cacau pouco antes do Plano Collor, em março de 1990, blindaram o engenheiro do congelamento de ativos financeiros bancários na edição do novo plano econômico. Indícios de informação privilegiada, dado o aporte nos bens primários e a retirada em dinheiro vivo meses antes do Plano Collor, foram lançados contra o banqueiro – embora nunca provados pela Justiça.

A despeito dos bons resultados no Banco Icatu, desavenças entre os sócios fazem com que o engenheiro civil se desfizesse do investimento, o que lhe rendeu US$ 70 milhões na saída. Com o dinheiro, torna-se acionista minoritário do Banco Opportunity em 1994, que se chamava Banco Lógica e era de propriedade de Dório Ferman, conhecido de Dantas dos tempos da FGV.

No campo político, a amizade com Antonio Carlos Magalhães desde a infância aproxima Dantas do PFL (Partido da Frente Liberal), atual DEM (Democratas). À época da onda de privatizações que domina o governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), Dantas aproveita as oportunidades e amplia seu império.

No Opportunity, a fim de participar da privatização de empresas de telefonia (em especial a Telesp), o banqueiro cria três fundos: um com dinheiro público dos fundos de pensão das empresas estatais brasileiras (Previ, Petros e Funcef); um estrangeiro, nas Ilhas Cayman, a ser capitalizado com aporte do Citigroup; e um terceiro, o Opportunity Fund, criado também nas Ilhas Cayman, sob o comando do próprio banco.

Ciente da ponte estreita entre público e privado, Dantas chama Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central no governo FHC, para associar-se ao Opportunity. O ex-chairman do BaCen abriria as portas do Planalto para livre trânsito com o Ministério das Comunicações e com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Daí se segue às privatizações e a construção do Império, que inclui Brasil Telecom, Telemig Celular, Amazônia Celular e a Santos Brasil.

Em uma analogia com o jogo de poker, a parceria público-privada de Dantas funcionava assim: o governo entrava com as fichas para Dantas jogar (e controlar) a mesa. Como empresário privado de patrimônio público, o engenheiro viu sua riqueza e as polêmicas crescerem exponencialmente nos anos conseguintes.

Escândalos, polêmicas e a liberdade judicial
A partir de 1998, o engenheiro domina as páginas investigativas, com escândalos consecutivos, listados a seguir:

  • Novembro de 1998: no leilão das teles, escutas revelam que integrantes do governo tentaram favorecer o banco Opportunity;
  • Novembro de 1998: o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, pede a Dantar que crie uma ONG para financiar campanha pela privatização;
  • Agosto de 2000: sócios italianos (Telecom Italia) e canadenses (TIW) avaliam que Dantas é antiético na forma como conduz seus negócios;
  • Julho de 2004: o engenheiro é acusado de contratar uma empresa de investigação, a Kroll, para espionar a Telecom Italia;
  • Novembro de 2004: da-se início a operação da Polícia Federal contra a Kroll, que é incriminada por grampear telefones e interceptar e-mails ilegalmente;
  • Abril de 2005: a Polícia Federal indicia Dantas por formação de quadrilha e corrupção ativa;
  • Junho de 2005: investigação acusa participação do banqueiro no escândalo do “mensalão”, dada a ligação entre Dantas, Marcos Valério e Delúbio Soares;
  • Maio de 2006: o engenheiro civil indica que possui lista de contas em paraísos fiscais que seriam de membros do governo. Em decorrência, especula-se que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, se reuniu com Dantas para negociar tal listagem;
  • Julho de 2008: o banqueiro é preso pela Polícia Federal por envolvimento em esquema de corrupção ligado ao “mensalão”, na operação Satiagraha.

Discreto, efetivo, assustador
Como todo gênio, Dantas possui um ar de excentricidade. Existem várias lendas que rondam o banqueiro: odeia conceder entrevistas; só veste ternos da cor azul, com camisas branca ou celeste; nunca foi publicamente visto derrubando uma lágrima e come diariamente a mesma refeição – peixe grelhado com salada, preparado na cozinha de seu escritório.

Não é ligado ao luxo, e procura economizar sempre. Nas paredes de seu apartamento na praia de Ipanema, o qual comprou apenas em leilão judicial, existem somente cópias de obras de arte, apesar da fortuna superior a US$ 1 bilhão. Também não possui qualquer hobby, a não ser devorar os livros de sua vasta biblioteca ouvindo Frank Sinatra.

Dantas trabalha diariamente das 7h30 às 23h00. Não tira férias, nem ostenta riqueza. No tempo livre, costuma ficar dentro de sua própria cobertura. Poderia se aposentar. Mas a tomada de risco, a adrenalina pelo trabalho, ou simplesmente por amar o que faz, Dantas permanece ativo.

Em entrevista à revista Veja em 2005, um adversário de Dantas que não quis se identificar resumiu como os outros o veem: “o Daniel é como aqueles monstros de filmes de terror. Você mata uma, duas, três vezes, e ele volta a ter assombrar”.