Os caminhos da Análise Técnica

14/12/2012 18:20

 

Leandro Ruschel

 

A Análise Técnica (AT) reúne um conjunto de ferramentas utilizadas para avaliar o comportamento dos preços dos ativos e derivativos negociados em bolsa. Para que seja possível utilizar a AT é preciso observar duas condições básicas em qualquer mercado: liquidez e liberdade de negociação. Quanto mais líquido for um ativo, mais consistentes serão os padrões presentes nos gráficos. Se um mercado tiver o seu preço controlado será difícil identificar tais padrões. Temos mercado semi controlados como o dólar, onde mesmo assim é possível utilizar a AT.

 

Ao longo dos últimos anos a AT evoluiu muito, inclusive sendo chamada de análise quantitativa, que nada mais é do que a busca de padrões nos preços que permitam a formulação de estratégias vencedoras utilizando a capacidade computacional atual e reunindo muitas áreas do conhecimento para definir modelos de comportamento do mercado. Por exemplo, modelos de propagação de doenças podem ser utilizados para identificar a força e duração de uma tendência. Tais estratégias são operadas no mercado com a ajuda de robôs que podem produzir milhares de ordens num curto intervalo de tempo. São os famosos sistemas de alta frequência. Para alcançar o lucro tais sistemas são dependentes de baixíssimos tempos de latência. As bolsas lucram alto hoje com a oferta de slots para que os servidores de corretoras e assets ficarem mais próximos dos servidores de negociação e com isso diminuindo a latência das operações.

 

Tais mudanças já geram impactos no mercado e ninguém sabe muito bem o resultado final do processo. O que sabemos hoje é que ficou impossível para um operador de carne e osso manualmente enviar ordens de compra e venda com o objetivo de lucrar centavos, como faziam algum tempo atrás os scalpers nos pregões viva voz. Tal espaço está dominado para sempre pelos robôs. Outro comportamento observável é a velocidade com que a liquidez aumenta e diminui. Num espaço de poucos segundos o mercado pode ir de milhões de ações/contratos negociados para zero. Com isso podem ser gerados flash crashes ou flash booms nos preços. Surgem também dúvidas sobre a legalidade dos sistemas. Algumas agências reguladoras já trabalham para colocar limites nos sistemas de alta frequência até para evitar a sobrecarga nos canais de negociação. Recentemente um único sistema que opera na NYSE foi capaz de enviar e cancelar tantas ordens que 30% de toda a banda contratada da bolsa foi utilizada! Tenho dúvidas sobre a capacidade dos reguladores em coibir essa forma de negociação e nem é o objetivo do artigo avaliar as questões éticas da nova fronteira de trading.

 

O propósito é avaliar a validade da Análise Técnica tradicional frente às mudanças sofridas no mercado. Essa não é uma dúvida nova. Quando surgiu o telégrafo como ferramenta de difusão de cotações também se acreditava em mudanças radicais no comportamento dos preços, o que não aconteceu. Depois veio o computador e as redes com a possibilidade de enviar ordens eletronicamente e também não foram geradas grandes mudanças nos padrões. Até agora quem mais sofreu com todas as mudanças foram os intermediários, como os brokers, market makers, especialistas, corretoras e a própria bolsa. O mercado era mais lento e fechado. Isso permitia a formação de certos feudos, além de um maior uso das informações privilegiadas. Com as informações oferecidas em tempo real para o mundo todo pela internet e as operações abertas ao público nos sistemas eletrônicos ficou mais difícil ter uma vantagem. O mercado ficou mais eficiente, apesar de práticas ilícitas continuarem a fazer parte do jogo, infelizmente.

 

Mesmo assim, as mudanças recentes nos sistemas automáticos de trading mudam um pouco as coisas. Até então as decisões de compra e venda eram humanas e dependiam portanto do comportamento altamente irracional mas previsível desses seres. A Análise Técnica nada mais é do que a representação gráfica do comportamento humano nos preços dos mercados de bolsa. O que acontece quando são máquinas e não humanos tomando decisões?

 

Antes de responder essa pergunta precisamos admitir que as máquinas apenas seguem a programação feita por humanos, portanto o comportamento não está tão distante assim. As inteligências artificiais ainda não são tão inteligentes assim a ponto de ter toda a capacidade e sensibilidade humana para avaliar um sistema complexo como o mercado. Dito isso surge o verdadeiro problema: a ação dos sistemas cria pequenas mudanças no comportamento dos preços. Existe um componente quântico em cada estratégia de trade: ela acaba interferindo no mercado. A observação depende do observador. Muitos sistemas já trabalham no sentido de tentar descobrir o que outros sistemas estão fazendo para explorá-los dando ainda maior complexidade ao problema. O resultado são ciclos de alta e baixa cada vez mais velozes e cheios de ruído.

 

Apesar disso, tirando a impossibilidade de fazer manualmente trades de curtíssimo prazo, vejo ainda as ferramentas clássicas da AT funcionando muito bem. O mercado segue se movimentando em tendências, produzindo zonas de suporte e resistência e os rompimentos destes patamares produzem movimentações operáveis. Claro que existem rompimentos falsos e mudanças abruptas de tendência, mas elas sempre existiram, desde a época em que os pais da AT faziam os seus gráficos com papel milimetrado de olho nas cotações que saiam do telégrafo.

 

Talvez isso seja explicado pela natureza imutável do comportamento dos preços que está associada aos ciclos de expansão e contração dos negócios. Se uma empresa desempenhar bem a sua função e tiver lucros crescentes ao longo do tempo, além de não sacanear o pequeno acionista, suas ações serão valorizadas independentemente dos robôs que compram e vendem tais ações. O inverso também será verdadeiro, más empresas terão o preço das suas ações diminuídas. O mesmo se aplica às commodities operadas em bolsa com suas oscilações de oferta e demanda que dependem de inúmeros fatores. Sem contar os ciclos de expansão e contração de crédito levados a cabo pelos bancos centrais, quase sempre por motivos políticos e que interferem diretamente nos preços dos ativos. Em última análise os preços estão ancorados nos seus fundamentos.

 

Quer dizer que você agora virou fundamentalista Leandro? Não. Por alguns motivos. O primeiro é o timing. Geralmente o mercado anda na frente dos dados que são divulgados. Como a recompensa para o acerto de uma avaliação de preço bem feita é muito grande existem players armados com poderosas ferramentas e extraindo todas as informações possíveis, legal e ilegalmente sobre um determinado mercado e isso aparece no movimento produzido por estes players, no gráfico. Em segundo lugar, pela falta de consistência nesses dados. De uma maneira geral os dados oferecidos pelas empresas, governos e outras instituições e utilizados pela análise fundamentalista são imprecisos na melhor das hipóteses e simplesmente incorretos na pior. Mas o fato é que o mercado tem uma âncora na realidade. Mesmo quando há um exagero de preços para cima ou para baixo, em algum momento a realidade se impõe.

 

Resumindo, apesar dos sistemas automáticos de trade poderem gerar maior ruído no mercado e acelerar movimentos, especialmente no curtíssimo prazo, eles não devem modificar a natureza mais profunda de movimentação dos preços.

Acredito no aumento do uso de automação para avaliar e operar o mercado, mesmo que não seja em alta frequência. Não há como escapar. Mas não vejo isso sendo mais importante do que a genialidade humana para entender o contexto geral de uma situação e tomar a melhor decisão. Nem que seja na hora de programar o robô ou reprogramá-lo de tempos em tempos.

 

https://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/blog-da-analise-tecnica/2012/12/13/os-caminhos-da-analise-tecnica/