Entrevista com Marcio Noronha

17/02/2013 17:24

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Entrevista com: Marcio Noronha

 

> A incrível história de sucesso, fracasso e superação de Marcio Noronha, que chegou a acumular, em valores corrigidos, US$ 100 milhões no mercado financeiro e perdeu tudo, nesse mesmo mercado. Uma verdadeira lição deste que é um dos pioneiros e mais respeitados analista gráfico do Brasil. Além de autor de vários livros e apostilas sobre análise técnica, Noronha edita semanalmente a revista eletrônica TIMING e atualmente é analista da corretora Gradual Investimentos.<

 

‘Nessa entrevista, conversamos com ele para entender melhor a trajetória que o levou ao sucesso no mercado de capitais. Noronha fala sobre os sucessos e fracassos, de quem não possuía experiência no setor, mas encarou o desafio e soube aproveitar as boas oportunidades.’

 

> Como você se envolveu com o mercado financeiro?

 

Em 1966, ano que me formei como economista na Faculdade Nacional de Ciências Econômicas do Rio de Janeiro (atual UFRJ), respondi a um anúncio publicado no Jornal do Brasil. Era de uma grande empresa, que atuava no mercado de capitais e estava em busca de profissionais liberais ,para atuarem no seu quadro de assessores financeiros. Depois da entrevista e dos testes, fui selecionado para o meu primeiro emprego na corretora M. Marcello Leite Barbosa. Na época, era a maior corretora do Brasil, com um Market Share em torno de 60%.

 

> E quando foi esse primeiro contato com o mercado de ações?

 

Antes de começar a trabalhar, passei por um período de treinamento de um mês. O foco era o mercado aberto (open-market), um segmento da dívida pública que estava ressurgindo, após a revolução militar de 1964. Depois da fase de treinamento, fui designado para trabalhar na mesa de operações da corretora, com a função de bater o mercado em busca de posições para nossos clientes. Quando possível, eu deveria intermediar pontes entre duas instituições financeiras. Na época, a mesa do open ficava na mesma sala da mesa de operações de bolsa, onde o telefone de magneto fazia a ligação entre a corretora e o pregão. As confirmações chegavam através de uma fita perfurada, como a de um Telex.

 

> Você começou a investir imediatamente?

 

Não, apesar da insistência do Sr. Marcello para que eu comprasse umas ações com o dinheiro que estava ganhando. Passei pelo menos uns três meses sem dar a menor importância ao mercado de ações. Mas, como estava em alta e, ao meu redor, muita gente estava ganhando dinheiro, acabei sucumbindo à tentação e comprei alguns ativos.

 

> Qual foi seu critério de seleção das primeiras ações?

 

No começo, foi por dica. Comprei apenas o que o Sr. Marcello me sugeriu. Depois, como na corretora havia um departamento de pesquisa fundamentalista, que fornecia relatórios para os clientes, passei a utilizá-lo.

 

> Como você se saiu com as suas operações?

 

Muito bem, comecei a ganhar muito dinheiro, com uma facilidade jamais imaginada. Era comprar e correr para o abraço!

 

> Você pode dizer que ficou rico?

 

Pode-se dizer que sim. Aos poucos fui ganhando confiança e coragem, e segui comprando cada vez mais. Se não me engano, em 1968, a BVRJ disponibilizou para o mercado o primeiro tipo de alavancagem, criando as Operações a Termo. A partir daquele momento, qualquer investidor poderia alavancar cerca de 5 vezes o seu capital. Assim, quem tivesse 10 mil poderia operar até uns 50 mil a termo.

 

> E você fez uso dessa alavancagem?

 

Feito um alucinado, era fácil demais! Normalmente, existiam financiadores para 30, 60 ou 90 dias. Optei por Termos de sessenta dias. Quando dava errado, levava até o vencimento e rolava dobrado por mais sessenta. E como o mercado era de alta, acabava ganhando ainda mais. Raramente foi necessário rolar uma segunda vez, só quando fui à bancarrota em dezembro de 1971.

 

> Como se sentia diante desses ganhos?

 

Aos poucos, comecei a achar que estava entendendo do negócio. Na medida em que as minhas operações foram aumentando de valor, passei a ser observado por muitos investidores. Em pouco tempo, já estava nas páginas de economia e de algumas colunas sociais, que cantavam em prosa e verso as minhas habilidades como ganhador de dinheiro. O Zózimo Barroso do Amaral dizia que eu era o rei Midas. E o pior é que acabei acreditando!

 

> Após ter quebrado, como se recuperou do prejuízo?

 

Considerando o tamanho do meu patrimônio, nunca mais cheguei nem perto. Na época, perdi uns US$ 8 milhões. Corrigido pela inflação do dólar, em valores de hoje, seriam cerca de US$ 100 milhões. Mas, a partir de 1973, voltei a trabalhar numa mesa de open-market e, aos poucos, terminei de pagar algumas dívidas remanescentes. Comecei a formar um pé-de-meia, com dinheiro proveniente do meu trabalho. Só voltei ao mercado de ações em 1984.

 

> Quais foram as suas operações mais lucrativas?

 

Foram muitas. Mas, justamente pela grande quantidade, é difícil listá-las hoje. Muitos anos se passaram e não me lembro mais da maioria. Uma, entretanto, foi inesquecível pelas circunstâncias que a cercaram e pelo lucro auferido.

 

> Pode nos contar?

 

Claro! Aconteceu no final da década de sessenta, quando o meu irmão era gerente de uma loja de uma corretora em Copacabana. Lá havia uma sala onde as pessoas podiam ficar e assistir, ou operar durante o pregão.

 

Em uma tarde, uma dessas pessoas foi embora, deixando sobre a mesa um jornal belga. Meu irmão, que dominava a língua francesa, dando uma folheada no jornal, notou que na seção de economia havia uma lista de cotações de ações negociadas na bolsa de Bruxelas. Nessa lista constava uma ação chamada “Belgo Mineira”. Fazendo a conversão do preço em franco belga para a nossa moeda, havia uma diferença tão grande que meu irmão achou que fosse apenas uma coincidência de nome. Mas me ligou para contar a história.

 

Decidi investigar. Sem chamar a atenção, entrei em contato com um ex-colega de Faculdade, que naquela época era gerente de uma área internacional do Citybank. Procurei saber se ele conhecia algum corretor da bolsa de Bruxelas, que pudesse conversar sobre uns projetos que eu tinha em mente. Dois dias depois, embarquei para Paris. Na manhã seguinte, subi num trem para Bruxelas ao encontro do corretor que me aguardava.

 

Então fiquei sabendo que o que se negociava lá eram procurações de ações custodiadas no Brasil, nos bancos “Francês e Brasileiro” e “Ítalo-Belga”. As ações eram pertencentes a ex-funcionários da Belgo-Mineira, que as receberam como bônus enquanto trabalharam aqui. Para não me alongar, consegui comprar cerca de US$ 800 mil em ações, na faixa de R$ 4,00 cada. Vendi nos dez dias seguintes, a um preço médio de R$ 16,00, quadruplicando meu investimento.

 

> O que lhe vem à mente se indagado sobre a operação mais dramática em que esteve envolvido?

 

Sofri inúmeros prejuízos, mas sem dúvida o mais dramático foi na fase final da minha derrocada. Após duas rolagens consecutivas, dobrando o lote a cada uma delas, tive que liquidar um termo enorme de Belgo-Mineira a R$ 22,00. No mercado à vista, ela estava sendo negociada a R$ 4,00. Perdi mais do que havia ganhado na minha operação mais lucrativa!

 

> Você saberia explicar quais foram os principais motivos para o seu sucesso e, posteriormente, seu insucesso?

 

Foi o mesmo para ambos: Ignorância! Ganhei sem saber como, e perdi sem saber como. Se na época tivesse o mínimo do conhecimento que tenho hoje, não teria chegado tão longe como cheguei. Mas teria preservado a maior parte, e hoje deveria estar muito além.

 

> Olhando para trás, qual foi o seu maior erro?

 

Operar alavancado foi um deles, mas sem dúvida o pior foi operar sem stop.

 

> Qual seu conselho para um investidor iniciante?

 

Antes de começar a operar por conta própria, procure aprender até encontrar uma forma confiável de operar. A busca de uma metodologia operacional passará por cursos, leituras e, finalmente, operações simuladas. Isso até adquirir confiança para entrar no mercado real. Até lá, procure uma corretora ou algum administrador que o mantenha a maior parte do tempo na ponta certa do mercado. E seja disciplinado na aplicação dos stops.

 

> Existe algum analista que você admira?

 

Vários! Mas os meus ídolos são Joseph Granville e Jim Sloman.

 

> Você pode revelar o seu método operacional?

 

Claro, o meu método é muito simples. Utilizo a simetria para fazer as projeções dos movimentos, e a distância entre as resistências e os suportes para decidir se quero ou não fazer determinada operação.

 

> Que tipo de investidor você se considera?

 

Sou o que os americanos definem como um “position trader”, ou seja, um carregador de posição. Basicamente, só opero a favor das forças predominantes do mercado, procurando permanecer na operação o maior tempo possível. Se não evoluir conforme o esperado, procuro zerar o mais rápido possível.

 

> Como é o seu processo decisório?

 

É uma seleção natural, que acontece depois de visualizar diariamente uns 500 gráficos. Com o tempo, sua vista fica acostumada a buscar determinados padrões, que se formam em tempos diferentes nos diferentes gráficos. É tudo uma questão de identificá-los e depois monitorá-los.

 

> Qual o tamanho ideal de uma carteira de ações?

 

Não tem um tamanho ideal, mas sim um tamanho compatível com o que você estiver disposto a perder numa única operação. A carteira deve ser proporcional ao quanto você está disposto a arriscar, numa operação isolada, considerando o critério de só comprar um segundo ativo quando o stop do primeiro já tiver sido movido para uma área de break-even.

 

> Existe uma fórmula para um investidor se transformar num vencedor sistemático do mercado?

 

Não existe uma fórmula, mas diria que existem pesos assim distribuídos:

60% do sucesso está na disciplina de seguir o que foi planejado antes de entrar no mercado;

20% diz respeito à seleção da operação;

20% diz respeito à administração financeira dos recursos, no tamanho das apostas.

 

# Entrevista realizada em outubro de 2009, pelo extinto site ‘Meu Milhão’, da LinkTrade, hoje corretora Rico/Octo.