A quem interessa o aluguel de ações e a venda a descoberto?

15/12/2012 09:14

 

13/12/2012 às 18h51 2

Postado por: André Rocha Seção: Análise de açõesEstratégia de investimento

 

O empréstimo de ações, também conhecido como aluguel de ações, é uma operação que vem se difundindo no mercado brasileiro. Como funciona? Ele é benéfico para o mercado acionário? Conheça as vantagens e desvantagens dessa operação.

Um leitor mandou-me um e-mail com a seguinte colocação: “Há muito tempo tenho observado que a grande volatilidade de algumas ações está diretamente relacionada à quantidade de aluguel e também da venda a descoberto. Isso é bom para o mercado? Ou é ruim? Como fica para o investidor que está começando? Como a BM&FBovespa vai atrair mais investidores com essa tremenda volatilidade especulativa?” E conclui: “Devemos evitar ações dessas empresas”.

O empréstimo de ações, também conhecido como aluguel de ações, é uma operação que vem se difundindo no mercado brasileiro. O proprietário da ação, que no jargão de mercado é conhecido como doador, empresta sua ação por um determinado prazo a um terceiro (o tomador) e em troca recebe uma taxa. Muitas vezes, após receber as ações, o tomador as vende no mercado, esperando a queda da cotação e depois as recompra a um menor preço, devolvendo-as ao doador no vencimento do contrato ou antecipadamente. Essa operação é conhecida como venda a descoberto.

Já tratei do tema aluguel de ações em outro post, “As estratégias em bolsa pela ótica do empréstimo de ações”, de 22/08/2011. Nesse post mostrei que a evolução do número de contratos pode sinalizar se o mercado está otimista ou não com o desempenho da bolsa no médio prazo. Quanto maior o número de contratos, menor a confiança e vice-versa. Além disso, um indicativo para analisar a confiança dos investidores em uma ação específica é observar a taxa praticada para o aluguel. Quanto maior a taxa do aluguel, menor a confiança, e o oposto também é verdadeiro.

O assunto não comporta uma posição binária – contra ou a favor do aluguel de ações. Há pontos positivos e negativos nessa operação.

Pontos positivos:

1.               Aumenta a liquidez das ações;

2.              O doador consegue obter uma renda extra por intermédio do aluguel. Isso é importante para investidores com horizonte de prazo mais longo;

3.              O doador mantém o direito aos dividendos durante a vigência do contrato de aluguel.

4.              Abre novas oportunidades de investimento:

a) Pode se obter rentabilidade mesmo com a ação em queda por intermédio da venda a descoberto.

b) Outra estratégia é conseguir retorno com o ganho relativo entre duas ações em uma operação conhecida como “long-short”. O que é isso? Trata-se da compra de uma ação (posição “long”) que, acredita-se, terá um desempenho superior ao de outra (a posição “short”). Esta última é alugada de um terceiro e vendida em seguida, para recompra futura e entrega ao proprietário original.

    Em geral, espera-se que a posição “long” se valorize enquanto a posição “short” apresente uma queda de preço durante o período de investimento. Mas o investidor pode obter ganhos mesmo se as duas ações se valorizarem, desde que a posição “long” se aprecie mais do que a posição “short”, ou se ambas caírem, se a posição “long” cair menos do que a “short”. O ganho do investidor depende do desempenho das duas pontas e, em teoria, não está vinculado ao desempenho direcional da bolsa. Ou seja, pode-se ganhar mesmo que o índice não apresente valorização.

Pontos negativos

 1. Aumenta a volatilidade das ações, como disse o leitor.

2. Gera movimentos bruscos no preço dos papéis. Por exemplo, imagine que a maioria dos investidores está apostando contra as ações de uma determinada companhia, mas, inesperadamente, surge uma notícia positiva para as operações dessa empresa. Os investidores tentarão liquidar suas posições, recomprando as ações do mercado (“short squeeze”) em um curto espaço de tempo. Esse movimento pode proporcionar uma alta artificial da ação no curto prazo.

3. Reforça a queda do preço do ativos em momentos de crise, quando vários investidores tomam a mesma decisão ao mesmo tempo. Por isso, as bolsas europeias, na crise de 2008, impediram que os investidores realizassem vendas a descoberto.

4. Apesar de realizar uma operação de venda a descoberto, o tomador tem direito a voto, participando das assembleias de acionistas. Essa situação é incoerente, pois o mesmo investidor que “aposta” na queda das ações participa das decisões da companhia.

5. A principal função do mercado de capitais é possibilitar que as companhias obtenham recursos para suas operações por intermédio da emissão de novas ações. Contudo, operações de venda a descoberto podem reduzir o volume financeiro a ser obtido pela empresa nas ofertas de ações. Por quê? Os investidores querem pagar o menor preço possível. Assim, os investidores podem alugar as ações e, em seguida, vendê-las, pressionando a cotação do papel. Com isso, o ganho do investidor é a perda da empresa, que obterá com a oferta um volume financeiro menor. A fim de evitar essa distorção, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Instrução 530, que veda a aquisição de ações, no âmbito de ofertas públicas, por investidores que tenham realizado vendas a descoberto da ação na data da fixação do preço da oferta e nos cinco pregões que a antecedem. A discussão que fica é: essa limitação aos cinco dias anteriores à definição do preço é suficiente?

Uma dica para os investidores fundamentalistas é observar a evolução dos contratos e as taxas de aluguel das ações objeto de interesse, para entender qual a percepção do mercado sobre aquele papel. Isso pode evitar surpresas desagradáveis.

Não há como negar que o aluguel de ações pode afetar a formação do preço dos papéis, especialmente em um horizonte menor. Mas as flutuações da cotação das ações derivadas desses contratos tendem a ser mitigadas no médio prazo, pois o que interessa para seu desempenho são os fundamentos da companhia. O desempenho operacional das empresas é que, em última instância, impulsionará o preço das ações. Operações de aluguel podem, no máximo, perturbar a justa formação do preço do papel em um algum momento pontual.

 

www.valor.com.br/valor-investe/o-estrategista/2939848/quem-interessa-o-aluguel-de-acoes-e-venda-descoberto